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Vítimas de um trânsito caótico

Quando não morrem, vítimas de acidentes de trânsito carregam graves seqüelas; de quem é a culpa? Alguém cumpre pena por crime de trânsito?

José Valdomiro Tavares, 50 anos, hoje é um homem pouco semelhante com o que era há dois meses. Na tarde de 13 de junho, quando guiava sua bicicleta pela rua Coronel Albuquerque, em Canoinhas, a motorista de um Fusca abriu a porta do carro, obrigando Tavares a desviar, dando de frente com a carroceria de um caminhão. Tavares bateu a cabeça e caiu desacordado. Foi imediatamente internado no Hospital Santa Cruz. O diagnóstico foi traumatismo craniano, além de fraturas diversas no braço e perna esquerdas.

Iniciou assim uma verdadeira via-sacra por hospitais. Foram sete dias no Hospital Santa Cruz, 23 dias em Florianópolis e mais nove dias de volta para o Hospital Santa Cruz.

Há três semanas, desanimada pelos médicos, a família cuida de Tavares em casa.

Ele divide com o filho Cláudio Tavares um quarto pequeno. Imobilizado, ele se alimenta por meio de sonda. Não fala e aparenta não reconhecer quem chega no quarto. Apenas os olhos suplicantes se movimentam. Cláudio tem muitas dúvidas na cabeça e não sabe que ação tomar ? Da motorista do Fusca? Do caminhão? Do próprio Tavares? De quem é a culpa pelo acidente?

 

SEM ACOSTAMENTO BICICLETA TRANSITA NA PISTA

 

O Código Brasileiro de Trânsito (CTB) prevê o tráfego nos acostamentos, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores. Como o acostamento da Coronel Albuquerque é usado para estacionamento de automóveis, Tavares não teria outra opção senão transitar pela pista principal.

No caso de um processo, a família de Tavares poderia conseguir indenização, resta saber quem processar ? os motoristas envolvidos ou o próprio município, responsável pelas ruas do perímetro urbano.

 Na semana passada, um motorista foi condenado a pagar indenização de R$ 39 mil ? além de pensão ? por danos morais a pai e filho de uma mulher morta em atropelamento quando pedalava na BR 470, em Itajaí. A Justiça entendeu ter ficado claro nos autos que a situação do acostamento naquele trecho da rodovia era precária. Como Tavares foi atingido pela traseira do caminhão e o motorista alega não tê-lo visto, o caso pode receber julgamento imprevisível na Justiça.

 

CRIMES OU ACIDENTES?

 

O caso ocorrido em Itajaí levou oito anos para ser julgado e ainda cabe recurso. Até mesmo juristas admitem que a Lei é falha neste sentido. Daiane de Lara, irmã do barman Régis Saulo de Lara, que morreu aos 33 anos quando colidiu seu Fusca frontalmente contra um Fiesta que avançou o sinal, luta para que a Justiça tome uma providência. Jucilene Aparecida de Lima, que causou o acidente, conforme aposta boletim de ocorrência, estava tão alcoolizado que não conseguiu reunir forças para soprar o bafômetro. O crime aconteceu em fevereiro de 2005 e ainda não foi julgado. Jucilene desapareceu e hoje Daiane faz um apelo para que as pessoas que tenham pistas de seu paradeiro denunciem para a Justiça. Ironia, Jucilene não será presa por ter provocado a morte de Régis ? até porque o crime não foi julgado ? mas por estar foragida da Justiça.

O caso parece coerente, mas expõe uma das maiores fragilidades da Justiça ? a morosidade e dificuldade em punir crimes de trânsito.

 

DOR E SOFRIMENTO

 

A jornalista Áurea Arendartchuck ainda sente a falta do pai. ?Parece que cada vez mais sinto saudades?, conta. João, seu pai, tinha 62 anos e no dia 3 de fevereiro deste ano quando voltava do trabalho na lavoura no sítio da família no bairro Salto d'Água Verde,  foi atropelado no acostamento da BR-280 quando empurrava sua bicicleta. O motorista causador do acidente estava embriagado, com teor alcóolico que chegou a 14,2 dg de álcool no sangue quando o limite tolerável é 0,6 dg. Por causa do forte impacto, João sofreu ferimentos graves por todo o corpo tendo inclusive hemorragia interna. Depois de ficar internado dois dias na Unidade Intermediária do Hospital Santa Cruz de Canoinhas, ele não resistiu e faleceu no dia 5 de fevereiro. Os trâmites do processo que a família move contra o causador do acidente andam em marcha lenta no Fórum da Comarca. Enquanto isso, o causador do acidente continua livre. A recente troca de juízes na Comarca, garante Áurea, deve tornar o processo ainda mais lento.

Julgados, os casos nem sempre amenizam a dor da perda. No Brasil, quando se decide por uma indenização por morte em acidente, a aritmética é simplificada. Salvo raras exceções, multiplica-se o último salário da vítima até a aposentadoria como punição para o causador do acidente. Cabe comparar à justiça estadunidense. Os americanos possuem uma tabela que projeta a ascensão profissional. A pessoa morre gerente, mas poderia virar um diretor. ?Aqui não se passa de uma quantia, porque os tribunais acabam tabelando os valores?, diz o advogado Leonardo Amarante, que entrou nos Estados Unidos com 53 ações para famílias do caso dos mortos no acidente aéreo da Gol em setembro passado.

 

SERVIÇO

 

José Tavares, citado na matéria, precisa ser alimentado por meio de sonda, com sustagem que custa R$ 22,50 a lata. Se você quiser ajudar com sustagem, dinheiro ou fraldas descartáveis, ligue para (47) 3624-0545.

 

PRINCIPAL CAUSA

Esta semana foi revelado um número escandaloso, calculado por médicos brasileiros. Em São Paulo, de cada dez vítimas de paralisia, quatro se envolveram em acidentes de trânsito. As batidas de motos, de carros e atropelamentos agora são a principal causa de lesões na medula.

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